
Na minha prática clínica, tenho notado um padrão que se intensifica a cada dia: a relação de dependência que muitos de nós, adultos e adolescentes, estamos desenvolvendo com as telas. Sejam smartphones, tablets, computadores ou televisões, esses dispositivos, que vieram para facilitar e conectar, estão, paradoxalmente, nos desconectando de nós mesmos e uns dos outros.
Muitas pessoas me perguntam: "Dr., será que eu sou viciado(a) no celular?" ou "É normal meu filho(a) não conseguir ficar sem o videogame?". A resposta não é simples, mas tenho observado na minha prática clínica que a linha entre o uso e o abuso está cada vez mais tênue, e o impacto na saúde mental é inegável. Esta percepção está em total acordo com o que as melhores pesquisas e estudos da área de saúde mental têm apontado.
O Que Tenho Notado na Minha Prática Clínica: Sinais de Alerta
Não se trata de usar a tecnologia, mas de como ela nos usa. Tenho visto alguns sinais claros que, combinados com a literatura científica, indicam que o uso de telas pode estar se tornando um problema:
- Perda de Controle: Meus pacientes costumam dizer que tentam diminuir o tempo de tela, mas não conseguem. A promessa de "só mais cinco minutos" se estende por horas, prejudicando o sono, o trabalho ou os estudos. As pesquisas mostram que essa perda de controle é um dos principais critérios para a caracterização de um comportamento de dependência.
- Prejuízo em Áreas Importantes da Vida: Seja em adolescentes que trocam atividades sociais, hobbies ou o rendimento escolar pelo tempo online, ou em adultos que veem seus relacionamentos, desempenho profissional e bem-estar físico deteriorarem por causa do uso excessivo.
- Abstinência e Irritabilidade: Quando impedidos de usar as telas, noto uma irritabilidade acentuada, ansiedade ou inquietação. Adolescentes podem ter explosões de raiva, e adultos podem sentir um desconforto profundo.
- Tolerância: A necessidade de passar cada vez mais tempo online para obter a mesma satisfação ou distração. Aquela meia hora no celular já não é suficiente.
- Mentir ou Esconder: Pacientes relatam esconder o tempo real de uso da família ou amigos, ou usar a tela em segredo, o que gera culpa e vergonha.
- Uso para Fuga: Tenho observado que muitos usam as telas como uma forma de escapar de emoções difíceis, do tédio, da ansiedade ou de problemas da vida real, criando um ciclo vicioso onde o problema é evitado, mas nunca resolvido.
O Impacto no Desenvolvimento Cognitivo: Um Prejuízo que Tenho Visto de Perto
O que me preocupa ainda mais, e que tem sido o foco de importantes estudos científicos, é o impacto direto do uso excessivo de telas no desenvolvimento cerebral, principalmente nos mais jovens. O cérebro adolescente está em uma fase crucial de maturação, e a exposição constante a estímulos rápidos, superficiais e viciantes prejudica a capacidade de concentração, a memória e o desenvolvimento de funções executivas, como o planejamento e a tomada de decisões.
As recompensas instantâneas das redes sociais e dos jogos, com seus "curtidas" e feedbacks rápidos, treinam o cérebro a buscar gratificação imediata, enfraquecendo a paciência e a resiliência para lidar com tarefas que exigem esforço e atenção prolongados. Tenho visto isso se manifestar na clínica como dificuldades de aprendizagem, baixa tolerância à frustração e uma desconexão da realidade, onde o mundo virtual se torna mais atraente do que o real.
Adultos e Adolescentes: Duas Gerações, o Mesmo Desafio
Embora os sintomas sejam semelhantes, os impactos e as razões para o vício em telas podem variar entre as faixas etárias:
- Adolescentes: Estão em uma fase crucial de formação da identidade. As redes sociais, em particular, podem gerar uma pressão imensa por validação, comparações constantes e cyberbullying, afetando a autoestima e desenvolvendo ansiedade e depressão. Além disso, a dependência em jogos eletrônicos pode comprometer o desenvolvimento de habilidades sociais no mundo real.
- Adultos: A pressão de trabalho que exige constante conectividade, a necessidade de estar "sempre disponível" e a busca por notícias e entretenimento podem levar ao uso excessivo. O vício em telas em adultos muitas vezes se manifesta como procrastinação crônica, dificuldades de sono, isolamento social e uma sensação constante de "estar ocupado" sem realmente ser produtivo.
Meu Olhar Profissional: Como Reverter Esse Quadro
Como profissional da psicologia, meu papel é ajudar a entender o "porquê" por trás desse comportamento e, mais importante, construir alternativas saudáveis. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de aprender a usá-la de forma consciente e intencional.
Tenho notado na minha prática que a mudança começa com a conscientização. Perguntar-se: "O que estou evitando quando estou online?" ou "O que realmente importa para mim que estou deixando de lado por causa do tempo de tela?".
Juntos, podemos trabalhar estratégias para:
- Definir limites saudáveis: Criar "zonas livres de tela" em casa, estabelecer horários específicos para o uso.
- Substituir o hábito: Encontrar atividades que tragam satisfação e bem-estar (hobbies, esportes, interações sociais presenciais).
- Gerenciar emoções: Desenvolver ferramentas para lidar com o tédio, ansiedade ou estresse sem recorrer imediatamente à tela.
- Fortalecer conexões reais: Incentivar o diálogo e atividades em família ou com amigos, fora do ambiente virtual.
Se você ou alguém que você ama está lutando com o uso excessivo de telas e sente que isso está prejudicando a qualidade de vida, saiba que existe suporte. Tenho presenciado a transformação de muitos pacientes que, ao se desconectarem um pouco do mundo virtual, redescobriram a alegria de se conectar com o que realmente importa no mundo real.
Para Se Aprofundar no Tema:
Para aqueles que desejam entender ainda mais sobre os riscos e os impactos do uso excessivo de telas, sugiro a leitura de dois livros que considero essenciais e que me ajudaram a aprofundar minha própria visão sobre o tema:
- "A Fábrica de Cretinos Digitais", de Michel Desmurget
- "A Geração Ansiosa", de Jonathan Haidt